A Igreja Católica angolana tem registado, de “modo dramático, assaltos violentos” às suas instituições, nos últimos três meses, lamentando a “ausência de resposta” das autoridades policiais que, no seu entender, “encoraja os assaltantes”, foi hoje noticiado. Provavelmente, parafraseando João Lourenço, a “ausência de resposta” da Polícia é… relativa.
A preocupação foi manifestada pelo arcebispo de Luanda, Filomeno Vieira Dias, que em declarações hoje à Rádio Ecclesia – Emissora Católica de Angola -, denunciou dois assaltos ocorridos em duas instituições católicas da província de Malanje, na última semana, em que as religiosas foram agredidas.
A Paróquia da Nossa Senhora de Guadalupe e a Casa das Madres da Congregação das Irmãs de São João Baptista, ambas na província de Malanje, foram assaltadas nos dias 14 e 18 de Dezembro, respectivamente.
“O que nos preocupa é o suceder contínuo de assaltos às casas religiosas, não obstante as nossas denúncias, os denunciados sentem-se estimulados, sentem-se encorajados a prosseguir nas suas práticas, como que vingando-se ou desforrando-se das denúncias que fomos fazendo”, afirmou o arcebispo à rádio católica angolana.
Os bispos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) manifestaram preocupação, no passado 7 de Outubro, com o alto nível de criminalidade e de insegurança no país, que atingiu no último ano mais de 60 instituições da Igreja Católica.
A inquietação foi expressa por Filomeno Vieira Dias, à data presidente da CEAST, na abertura da segunda assembleia plenária ordinária, que se realizou em Luanda.
“Nos últimos meses, após os nossos pronunciamentos, em Outubro, voltámos a registar de modo dramático assaltos violentos a casas religiosas”, disse hoje Filomeno Vieira Dias, arcebispo metropolita de Luanda, lamentando a falta de resposta policial.
“Registámos aqui em Luanda, na Casa das Médicas de Maria, em Viana, registámos na Casa dos Missionários do Verbo Divino, onde um padre foi baleado e outros foram torturados e agora temos um novo caso em Malanje com as missionárias de São João Baptista, no bairro da Carreira do Tiro”, notou.
Segundo o prelado católico, em Malanje, as freiras foram “amarradas e depois ameaçadas que lhes seriam cortados os dedos com uma catana, caso não entregassem os pertences: É-nos de facto bastante confrangedor ver que isto tudo acontece”.
“E faz-se recurso às autoridades, aos serviços de ordem e segurança e não há respostas, parece que essas pessoas são até animadas, estimuladas à prosseguirem nessa direcção, como que dizendo agora hão-de sentir, isto é de todo lamentável e de todo condenável”, referiu.
A Polícia angolana regista “escassez de recursos humanos e técnicos” para dar resposta às preocupações de segurança pública nas 18 províncias do país, como reconheceu, na última semana, o comandante-geral da Polícia Nacional de Angola (PNA), Paulo de Almeida.
O comissário-geral da PNA, que falava durante um encontro com os jornalistas, em Luanda, fez saber que a corporação conta actualmente com cerca de 100 mil efectivos, um número que espera ver duplicado até 2025 e responder às necessidades dos 30 milhões de habitantes do país.
O “best-seller” de Paulo de Almeida
Recorde-se que o comandante-geral da Polícia Nacional (do MPLA), Paulo de Almeida, continua a escrever o seu “best-seller” onde compila as suas emblemáticas anedotas. No passado dia 6 de Outubro garantiu que, apesar de algumas ocorrências criminais registadas e mediatizadas na comunicação social, “Angola é um país seguro para todos os cidadãos”.
Angola registou, entre Agosto e Setembro, 10.788 crimes, informou no dia 12 de Outubro, a própria Polícia Nacional, tendo o seu porta-voz, comissário Orlando Bernardino, falado em preocupação com o número crescente de assaltos na capital, Luanda.
Na apresentação da situação de segurança pública, o comissário Orlando Bernardo admitiu que a província de Luanda tem registado um conjunto de assaltos à mão armada “em plena luz do dia”, causando uma sensação de insegurança entre os cidadãos.
Orlando Bernardo disse que a polícia tem noção do problema da criminalidade no país e admitiu que “é preciso resolver a situação”.
Segundo Orlando Bernardo, os vídeos relativos a, pelo menos, cinco assaltos à mão armada durante o dia, em Luanda, divulgados nas redes sociais, “trouxeram consigo um sentimento de insegurança muito grande aos cidadãos”.
“E concomitantemente despertou a necessidade de acelerar os procedimentos de resposta policial, no quadro da prevenção, investigação e instrução, de modo a devolver um sentimento de cobertura policial para a segurança pública”, reconheceu.
Os dados divulgados indicavam que os crimes violentos representam 27% (2.889) do total geral, nomeadamente homicídios, roubos e agressão sexual, sendo os crimes que mais aumentam as estatísticas criminais os furtos e ofensas à integridade física, representando 46% (4.992) do total, e ocorrem maioritariamente em zonas que escapam à vigilância policial, ou seja, em residências.
Orlando Bernardo salientou que a maioria dos crimes divulgados nas redes sociais foram esclarecidos, com os suspeitos detidos, frisando que chamou a atenção a forma como os crimes tinham sido cometidos, com características diferentes às habituais.
Falando na reabertura do ano lectivo 2021/2022, no Instituto Superior de Ciências Policiais e Criminais, Osvaldo Serra Van-Dúnem, o comandante Paulo de Almeida referiu que a Polícia Nacional registou nos últimos tempos a preocupação de vários cidadãos sobre as condições de segurança pública no país, pelo facto de se terem realizado “duas ou três acções” protagonizadas por marginais, que foram mediatizadas nos órgãos de comunicação social.
Paulo de Almeida considerou que, apesar dessas ocorrências, as cifras criminais não abalaram a estabilidade do país, na medida em que todas as instituições públicas e privadas funcionam com normalidade, existindo livre circulação de pessoas e bens, assim como estão garantidos os direitos e liberdades dos cidadãos.
Recordou que Angola possui uma extensão territorial de 1.246.700 quilómetros quadrado e uma população de aproximadamente 30 milhões de habitantes e que as distintas assimetrias culturais, sociais, regionais, educacionais, económicas e financeiras fazem com que os cidadãos não tenham o mesmo comportamento cívico na sociedade.
Segundo Paulo de Almeida, o mau uso das redes sociais tem levado alguns cidadãos “de má-fé” (provavelmente ligados à Oposição) a divulgarem mensagens com a intenção de descredibilizar o estado de segurança do país, criando sentimento de insegurança e desencorajamento do investimento estrangeiro em Angola.
Deve ter sido por isso que, em comunicado de imprensa, apresentado pelo bispo de Cabinda e porta-voz da CEAST (Conferência Episcopal de Angola e São Tomé), Belmiro Chissengueti, os bispos manifestaram-se preocupados com o “aumento dos níveis de insegurança um pouco por todo o país”, onde as instituições religiosas “não são poupadas”.
Em relação aos assaltos, disse, o país vive nas cidades, “sobretudo em Luanda, situações de segurança bastante graves, os assaltos multiplicaram-se”.
“E claro que essa multiplicação de assaltos obriga-nos a tomar uma palavra, até porque duas das nossas instituições foram assaltadas durante a nossa plenária. Portanto, o que pedimos é que a polícia tenha capacidade de mobilidade para poder fazer a cobertura naquilo que toca à sua responsabilidade”, referiu Belmiro Chissengueti.
Quanto ao histriónico (comediante) comandante-geral da Polícia Nacional disse que a corporação está determinada em prevenir e combater o crime e não vai tolerar actos de desordem e desrespeito aos símbolos nacionais, vandalismo de bens públicos ou privados.
Lembrou que nenhum país tem um sistema de segurança plena, absoluta, total e omnipotente, “daí a necessidade dos cidadãos, instituições e organismos participarem nas questões de segurança nacional, começando com a prevenção nas famílias, na comunidade, escolas e igrejas”.
De anedota em anedota até chegar (pelo menos) a ministro
Recorde-se que Paulo de Almeida defendeu o uso de “meios desproporcionais” para responder efectivamente contra ameaças ao Estado. O comandante-geral da Polícia Nacional afirma (como aliás fez o seu primeiro presidente, Agostinho Neto, ao manda massacrar milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977), que na defesa da soberania de um Estado não pode haver proporcionalidade, como defendem os juristas.
“Isso é muito bom na teoria jurídica, nós aprendemos isso no Direito. O Estado não tem proporcionalidade, você quando está a atacar a unidade, o Estado, o símbolo, está a atacar o povo“, disse Paulo de Almeida, numa conferência de imprensa destinada a supostamente esclarecer os incidentes na região do Cafunfo, onde o MPLA mostrou mais uma vez – como já fizera Agostinho Neto em 1977 – que não está para perder tempo com julgamentos, razão pela qual mata primeiro e interroga depois.
Paulo de Almeida avisou que “aqueles que tentarem invadir as esquadras ou qualquer outra instituição para tomada de poder, vão ter resposta pronta, eficiente e desproporcional da Polícia Nacional”. Por alguma razão a Polícia do MPLA é tão forte com os fracos mas bate com as patas no mataco a fugir velozmente quando o adversário é forte.
“Você está a atacar o Estado angolano com faca, ele responde-te com pistola, se você estiver a atacar com pistola ele responde com AKM, se você estiver a atacar com AKM, ele responde com bazuca, se você estiver a atacar com bazuca, ele responde com míssil, seja terra-terra, terra-mar ou ainda que for um intercontinental, vai dar a volta depois vai atacar”, referiu com o brilhantismo de um gorila anão o Comandante Paulo de Almeida.
E, enquanto o míssil “intercontinental vai dar a volta depois vai atacar”, o Presidente João Lourenço (e já há dúvidas se de facto ainda é ele quem manda no país) olha para o lado e assobia.
O comandante-geral da Polícia Nacional rejeitou, no caso de Cafunfo, que haja conflito com o Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe, que luta pela autonomia da região, afirmando que conflito só existe “com alguma coisa legalmente existente”.
“O que aconteceu foram elementos que foram atacar a nossa unidade, às quatro horas da manhã. Não foram fazer uma participação de uma ocorrência, não foram a um banco de urgência, que são as unidades que têm piquete para atendimento ao público. Foram com catanas, armas, meios contundentes, feiticeiros, para atacar a unidade“, disse Paulo de Almeida. Isto, é claro, sem referir os ataques dos catuituís que estavam nas mangueiras próximas e que foram avisados que Paulo de Almeida iria disparar mísseis intercontinentais, os tais que dão a volta e depois voltam a atacar…
“Eles não foram lá com lenços brancos, ninguém aqui perguntou como é que estão os nossos feridos, o oficial da polícia que apanhou machadada e catanada (…) o oficial das FAA que lhe deram catanadas, queimaram-lhe, ninguém pergunta, não são pessoas”?, questionou.
Por isso, justificou o fuzilamento já que, segundo Paulo de Almeida, a acção da polícia foi de legítima defesa e “foi assim que houve essas mortes”. Registe-se que, apesar do seu brilhantismo oratório (tipo míssil intercontinental), o Comandante não esclareceu que antes de serem assassinados os angolanos estavam… vivos.
O comandante-geral da Polícia Nacional angolana disse que pelo lado das autoridades não estava a decorrer nenhum inquérito, apenas o processo-crime que foi aberto. Bem visto. Se, até prova em contrário (que só o MPLA pode determinar) todos somos culpados, não há necessidade de inquéritos. Isso só acontece em estados ditatoriais. Nas democracias e estados de Direito que são referência para o MPLA, os inquéritos não existem. Vejam-se os casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial.
“Vou inquirir o quê? Eu não fui lá [Cafunfo] para fazer inquérito, fui lá para constatar a situação que ocorreu. Há um processo-crime que está a correr os seus trâmites legais, é aí e ponto final, não há inquérito. Se algumas organizações querem fazer isso já é um outro assunto, connosco não há inquérito, fique bem claro”, afirmou Paulo de Almeida. Eventualmente melhor do que Paulo de Almeida para chefiar a Polícia só mesmo uma reencarnação de Idi Amin Dada.
Recorde-se que o então Comissário Chefe da Polícia Nacional, Paulo de Almeida, dizia em Dezembro de 2015 que as últimas manifestações convocadas pelos partidos da Oposição tinham como objectivos a tomada do poder, um golpe de Estado, portanto, motivo pelo qual as forças de segurança as impediram. Nessa altura foi “capturado”, tal como agora na Lunda, um vasto arsenal bélico, com destaque para umas centenas de… cartazes contra o regime.
A Polícia Nacional afirma, reafirma, continua a afirmar ter provas mais do que cabais que provam que esses meliantes (hoje já são terroristas) pretendiam mesmo derrubar o regime. Ontem eram uns, hoje são outros, amanhã seremos todos nós.
Entrevistado pela Rádio Ecclésia sobre o balanço das actividades desenvolvidas pela Policia Nacional, eis que o então seu Segundo Comandante Geral sacou da pistola, perdão, da cartola, a mais bombástica revelação:
“Temos provas de que as orientações eram de um grupo chegar ao Palácio do Governo Provincial, outro grupo saía do Baleizão para chegar ao Palácio Presidencial. As provas recolhidas sustentam a tese de que o objectivo da última manifestação era o assalto ao poder”, garantiu na altura (na altura ainda não estavam disponíveis os mísseis intercontinentais) Paulo de Almeida.
A revelação foi de tal modo estrondosa que, mesmo tendo passado muitos dias sobre essa tentativa, Europa e EUA, para além da Coreia do Norte, terão aconselhado o Presidente José Eduardo dos Santos a, imediatamente, fechar a Assembleia Nacional, prender (antes que eles se exilem) os dirigentes golpistas, instaurar um regime de excepção, com suspensão de todos os direitos civis, cancelamento de qualquer calendário eleitoral e imposição do estado de sítio com a necessária lei marcial.
Desconhece-se a razão pela qual, perante as declarações do Segundo Comandante da Polícia Nacional, Eduardo dos Santos não avançou com estas regras basilares de reacção à tentativa de golpe de Estado. Há quem diga, sem fundamento, que muitas delas já fazem parte do dia-a-dia do regime, sendo por isso desnecessárias.
Paulo de Almeida disse que “a lei permite que os cidadãos ou associações cívicas se manifestem. Os polícias não têm nada que impedir. Mas também a lei diz que essas manifestações têm regras, não podem ser próximas de locais de soberania, não podem ser manifestações que perturbem a ordem e a tranquilidade pública, violentas, que criam instabilidade e ameaçam o pacato cidadão que não tem nada a ver com a confusão”. E acrescentou, para que não restem dúvidas quanto à tentativa de tomar o poder pela força, que “as manifestações não podem ser agressivas, não podem ser desordeiras e nós só actuamos quando elas desrespeitam essas situações”.
Então ficamos todos a saber que a presença de mais de dois cidadãos junto aos locais de soberania é um indício de golpe, que se não forem vestidos com as cores do MPLA e dando vivas ao Presidente os manifestantes serão considerados agressivos, que se andarem a colar cartazes entram na categoria, potencialmente golpista, dos desordeiros.
Paulo de Almeida sublinhou também que a Polícia Nacional sabe quais são as intenções dos manifestantes. E sabe com certeza. Se até consegue saber o que os cidadãos pensam… E então no que pensavam esses golpistas? O Comandante responde: “O público pode não saber isso, mas nós sabemos, então agimos em conformidade. Eu sei que isso não vai agradar às pessoas mas a verdade é esta. Nós estamos aqui para garantir a segurança de todos”.
De todos é como quem diz. De todos os bons, os do MPLA, queria dizer Paulo Almeida. Os outros, chamem-se Manuel de Carvalho Ganga, Cassule ou Kamulingue, não contam como cidadãos e, sempre que possível, devem entrar a cadeia alimentar dos jacarés.